Por: Ana Virgínia, Analista de Inovação do Enredes
Balneário Camboriú, cidade de Santa Catarina e a mais verticalizada do país foi palco de debates técnicos e visitas de campo que ilustram, na prática, o futuro da verticalização no Brasil. Durante três dias, 3 a 5 de novembro, representantes de empresas líderes de nove estados percorreram os canteiros, áreas técnicas, salas de controle de segurança e subiram nos elevadores cremalheiras de alguns dos edifícios mais altos do país. O objetivo foi compreender como as construtoras locais vêm aplicando industrialização, engenharia de precisão e integração de sistemas para viabilizar construções acima dos 170 metros de altura, um patamar ainda em desenvolvimento em grande parte do território nacional.
Ao longo das visitas, entrevistas com engenheiros, gestores de projetos, especialistas em sistemas prediais e profissionais de construtoras de diferentes segmentos revelaram um conjunto de lições que extrapolam Balneário. Os relatos ajudam a explicar por que a região se tornou um laboratório vivo de engenharia avançada, e o que outras cidades podem extrair dessa experiência.
Quando a altura impõe novas regras
Segundo o diretor Igor Vegini, diretor responsável pelo Ápice Tower, edifício da RV Empreendimentos com 187,88 metros de altura e 56 andares, os desafios começam antes do primeiro pavimento aparecer. “A contenção foi o aspecto mais impactante do projeto”, afirmou em entrevista. A solução adotada na obra, com paredes de concreto associadas a troncas metálicas, representa uma inovação local e um divisor de águas para a segurança e viabilidade do empreendimento.
A obra acumulava particularidades pouco comuns: dois prédios vizinhos com fundação rasa, um subsolo integral no terreno e blocos de fundação de 3,5 metros de altura abaixo do nível de escavação. “Nós passamos um grande tempo planejando, entendendo riscos e desenhando alternativas”, explicou Vegini. A solução estreou em Balneário Camboriú e, posteriormente, passou a ser replicada por outras construtoras da região.
A logística também assume um papel central. Em um terreno de 4.600 m², com estrutura subdividida em cinco dilatações e recebimento contínuo de materiais, o planejamento determina o ritmo da obra. “Não existe eficiência em edifício alto sem industrialização. É uma condição, não uma escolha”, ressaltou o diretor.
Industrialização: mais que método, condição de sobrevivência
Ao explicar as decisões que moldaram o desempenho do Ápice Tower, a RV Empreendimento foi categórica: desde o início, cada etapa precisou ser pensada para industrializar o máximo possível. Os pilares chegam pré-montados e são içados diretamente da área de preparo; formas metálicas substituem sistemas tradicionais; plataformas de segurança aceleram ciclos de execução; e o uso de drywall garante precisão e reduz a carga operacional.
Para além da produtividade, muitas decisões refletem aprendizados acumulados pela engenharia catarinense ao longo da última década.

Igor Vegini, diretor responsável pelo Ápice Tower, edifício da RV Empreendimentos
Durante a visita ao Sapphire Tower, edifício com 216 metros de altura e 53 andares da FG Empreendimentos, Leonardo Crizam, responsável pela gestão de projetos de esquadrias na Talls Solution, apresentou a evolução do contramarco tubular utilizado hoje nas obras de alto padrão. “Essa é a quinta versão. Ele não é chumbado, é parafusado, rígido, com canal preparado para receber a fachada ventilada. A obra entrega só a parede de concreto, o resto fica no escopo das esquadrias”, explicou.

Esquadria parafusada para fachada ventilada do edifício Sapphire Tower, de 216 metros de altura e 53 andares da FG Empreendimentos
O sistema elimina irregularidades, reduz retrabalhos e integra esquadrias ao planejamento da fachada ventilada, hoje um dos ativos técnicos mais recorrentes nas torres de Balneário Camboriú.
Segmento habitacional econômico também mira a altura
Mesmo empresas de atuação tradicionalmente voltada ao segmento econômico enxergam a altura como um caminho inevitável. Em entrevista durante a visita, Nayara Reis, coordenadora P&D na Construtora Tenda, foi direta: “Para dar moradia digna e bem localizada a quem não pode pagar caro, a verticalização é essencial. E, para verticalizar, precisamos de tecnologias que tornem esse processo viável.”
Segundo ela, o drywall é uma das soluções mais promissoras para aliviar a caga operacional e mitigar os impactos da escassez de mão de obra. “Quanto menos trabalho braçal e artesanal, melhor. Industrialização não é só eficiência, é condição para continuar construindo.”

Nayara Reis, coordenadora P&D na Construtora Tenda
Minas Gerais e o salto para edifícios mais altos
Entre os participantes, Minas Gerais apareceu como um ponto fora da curva, não por falta de capacidade técnica, mas porque o próprio território impõe limites urbanísticos que tornam a verticalização um desafio particular. Foi esse contraste que motivou a vinda da Patrimar Engenharia e da Proerg Engenharia e Projetos, que hoje atuam em alguns dos empreendimentos mais altos do estado.
Segundo Ítalo Batista, coordenador de projetos da Proerg, a decisão de participar da imersão foi estratégica: “Para quem quer continuar inovando, não existe lugar melhor para estudar edifícios altos. Aqui, a engenharia acontece no limite da técnica. Balneário virou uma sala de aula a céu aberto.”
Atualmente, Ítalo coordena as instalações de um edifício, ainda não divulgado, de aproximadamente 185 metros de altura, considerado disruptivo para o contexto mineiro. “A escala muda tudo: compatibilização, comportamento estrutural, pressurização, acústica, logística. Ver essas soluções aplicadas aqui nos dá repertório para fazer diferente em Minas.”

Nayara Coimbra, gerente de projetos executivos da Patrimar Engenharia
Além disso, Nayara Coimbra, gerente de projetos executivos da Patrimar Engenharia, reforçou que a experiência foi também cultural: “A gente já trabalha com alto padrão, mas ver em outros estados construtoras que tratam a engenharia com tanto rigor, tanta precisão e tanto valor é profundamente motivador. Volto para Minas entendendo que há um universo de soluções possíveis, e que a verticalização será cada vez mais necessária.”
Ela destacou ainda os contrastes regulatórios entre Belo Horizonte, que impõe limites severos de altura, e Nova Lima, que começa a permitir empreendimentos mais altos. “Quem quer construir acima dos 50 pavimentos precisa estudar onde isso acontece de verdade. Balneário é um laboratório. E nós viemos aprender.”

A engenharia do detalhe: da pressurização à acústica
Um dos momentos de maior impacto técnico da missão ocorreu no Boreal Tower, de 214 metros de altura e 55 andares, empreendimento da FG Empreendimentos. A visita foi conduzida por Stéphane Domeneghini, diretora executiva da Talls Solutions, ao lado de sua equipe, do síndico profissional Pedro Severo, da Providência Síndicos e do engenheiro Bruno Franzmann, da Franzmann Engenharia e Consultoria.
No pavimento de garagem, Franzmann apresentou a lógica de dimensionamento das válvulas e dos sistemas de pressurização do edifício, um dos pontos críticos para o desempenho de torres superaltas. “Sempre por vazão, nunca por bitola. A bitola só existe para viabilizar a vazão projetada”, explicou, provocando debates imediatos entre os participantes sobre práticas recorrentes no mercado.
A demonstração prática ocorreu na sala de ventiladores de pressurização, onde o sistema foi operado em frequência máxima. Ao abrir uma das portas pressurizadas, os participantes sentiram fisicamente o diferencial de pressão, uma experiência rara em visitas técnicas e que ilustrou, de forma contundente, a importância da modelagem correta desses sistemas em edifícios altos.
Outro destaque da visita foi a abordagem extremamente técnica e precisa conduzida pela equipe da Talls Solutions. A forma como cada profissional apresentou soluções, justificativas de projeto e decisões executivas evidenciou um nível de engenharia aplicada ainda pouco comum no mercado nacional.

Bruno Franzmann, da Franzmann Engenharia e Consultoria explicando a complexidade de projetos no edifício garagem
A percepção dos participantes: cultura, rigor técnico e futuro
Durante a roda de benchmarking que encerrou a imersão técnica, impressões convergentes começaram a emergir. Cultura técnica, rigor executivo e orgulho das equipes locais foram apontados como diferenciais competitivos da região.
Marcos Aurélio, gerente geral de obras da Benx, destacou o engajamento das equipes, algo que considerou raro em comparação a grandes centros como São Paulo. O grupo da Loft, de Goiás, ressaltou as diferenças de nível de detalhamento entre Sul e Sudeste.
Carla Estrela, diretora técnica da Königsberger Vannucchi Arquitetos Associados, apontou os cases de operação e manutenção predial como fonte relevante de insights para projeto. Anderson Zanutto, da Kröner & Zanutto Arquitetos, reforçou a importância do planejamento técnico para alcançar padrões semelhantes de qualidade.
“Balneário tem hoje sistemas prediais que são referência nacional pela precisão de projeto e execução.” sintetizou um dos participantes.
Até mesmo empresas de menor porte, como a Atello Incorporadora do Mato Grosso, trouxeram reflexões que sintetizam o espírito da imersão “Estar entre os grandes é uma honra. A verticalização é inevitável, e precisamos aprender a fazer parte desse movimento.”

Diogo Tadeu, superintendente de engenharia na Cyrela Construtora e Ricardo França, diretor da França & Associados Projetos Estruturais durante visita técnica
O futuro da engenharia brasileira pode estar mais perto do céu
A soma das entrevistas, visitas e percepções aponta uma verdade cada vez mais evidente: o Brasil está entrando, ainda que lentamente, em uma nova fase da construção civil. Uma fase que exige integração entre disciplinas, industrialização como requisito básico e uma engenharia de precisão.
Balneário Camboriú consolida-se hoje como um laboratório a céu aberto, e suas torres ensinam que a verticalização não é apenas um fenômeno urbano, mas uma mudança profunda na cultura técnica do país.
A visita não terminou no último pavimento. Ela continua agora, nos escritórios, canteiros e salas de projeto espalhados pelo Brasil, onde cada empresa precisará decidir como transformar esses aprendizados em prática.



