Os desafios, incentivos e oportunidades do Retrofit 

Por: Ana Luiza Viola, Consultora de Inovação do Enredes

Nas principais capitais brasileiras, o retrofit vem ganhando espaço nas discussões políticas e na sociedade. Programas públicos, incentivos legais e mudanças na lógica de uso do solo urbano apontam para um novo ciclo de ocupação e requalificação dos centros urbanos. 

Ainda assim, o retrofit permanece como uma alternativa pouco explorada por construtoras e incorporadoras. Neste artigo, abordamos os incentivos em curso, os desafios estratégicos do setor e as oportunidades que começam a se delinear. 

Incentivos em curso 

Diversas cidades brasileiras vêm desenvolvendo instrumentos regulatórios para estimular a reabilitação de edifícios existentes. Abaixo, alguns exemplos que ilustram esse movimento: 

  • São Paulo: o programa Requalifica Centro oferece isenção de IPTU, redução de outorga onerosa e subsídios diretos para projetos de retrofit com uso residencial no centro expandido [1]. 
  • Belo Horizonte: a Lei nº 11.532/2023, que institui a Operação Urbana Centro-Sul, prevê incentivos urbanísticos para empreendimentos que reaproveitem imóveis subutilizados, além de flexibilizações normativas para usos mistos [2]. 
  • Salvador: com o Renova Centro (Lei nº 9.767/2023), a prefeitura propõe isenção de taxas e facilitação no licenciamento para projetos de reocupação e retrofit de imóveis em áreas históricas e centrais [3]. 
  • Florianópolis: a recente Lei Complementar nº 763/2024 estimula o uso misto, flexibiliza parâmetros de recuo e potencial construtivo, e coloca o retrofit como instrumento prioritário para a requalificação do centro [4]. 

Esses marcos legais representam oportunidades concretas para o setor privado, principalmente para quem buscar modelos inovadores de viabilidade. 

Retrofit não é reforma: é ressignificação técnica e estratégica 

Como discutido no primeiro artigo da série, retrofit vai além da modernização estética ou da simples troca de acabamentos. Trata-se de uma intervenção técnica estruturada, que exige estudos aprofundados, diagnósticos de patologias, atualização dos sistemas prediais e adequações normativas relevantes [5]. 

Mais do que recuperar um edifício, o retrofit o ressignifica, adaptando-o a novos usos, formas contemporâneas de habitar e demandas cada vez mais presentes de sustentabilidade. Apesar disso, essa complexidade ainda é pouco compreendida pelo mercado e frequentemente subestimada frente à relativa simplicidade de uma incorporação convencional. 

O desafio da viabilidade: o mercado (ainda) resiste 

Para incorporadoras e construtoras, a pergunta central permanece: retrofit é economicamente viável? A resposta, segundo diversos estudos, é complexa. 

Como analisa Fernandes (2021), a partir de Weber (2015), edifícios são “mercadorias espacialmente arraigadas” – imóveis com forte inércia física e econômica, que resistem às mudanças do entorno urbano [6]. Em vez de atuarem como ativos adaptáveis, tornam-se obstáculos à lógica dominante do mercado imobiliário, que busca construir, vender e seguir para o próximo terreno. Forma-se, então, um ciclo – construção, obsolescência, demolição e especulação – que molda a forma como as cidades se desenvolvem [6]. 

Mesmo com a escassez de terrenos nas áreas centrais, o setor segue priorizando a expansão horizontal, nas periferias e regiões metropolitanas, onde construir novo é, em tese, mais barato e lucrativo. O retrofit ainda é visto como arriscado — seja pelo ponto de vista jurídico, seja pelas incertezas técnicas de trabalhar com estruturas existentes [5]. 

Quando se analisa o aspecto da sustentabilidade, Silva (2006), citada por Fernandes, destaca que os maiores desafios estão no uso eficiente do solo, escolha do local da implantação do edifício, durabilidade dos edifícios, recuperação de áreas poluídas ou abandonadas e a adaptação de edifícios. Fernandez (2021) observa que “o retrofit, pode ser uma das respostas para este desafio, uma alternativa para a construção civil reduzir seu impacto no meio ambiente. Mas observa-se que tais fatores só ganham adesão do setor quando resultam em economia ou agregam valor direto ao produto final [6]. 

Sanches (2023) também aponta como desafios a dificuldade de articulação entre os entes públicos, a ausência de linhas específicas de financiamento e o déficit de conhecimento técnico sobre retrofit [5]. Além disso, Fernandes ressalta que o custo de uma demolição total — especialmente em áreas densamente ocupadas como o centro de Belo Horizonte — pode ser proibitivo, reforçando a necessidade de reavaliar o modelo vigente [6]. 

Caminhos possíveis: novas estratégias, novos modelos 

Apesar dos obstáculos, há caminhos promissores para quem deseja explorar o retrofit de forma estratégica: 

  • Aproveitar os incentivos disponíveis: as leis recentes oferecem vantagens urbanísticas e fiscais que podem viabilizar economicamente empreendimentos em áreas centrais valorizadas. 
  • Reposicionar o produto imobiliário: combinar retrofit com uso misto (residencial, comercial, serviços) pode resultar em ofertas mais aderentes à demanda real dos centros urbanos. 
  • Reduzir riscos via parcerias: modelos como Sociedades de Propósito Específico (SPEs), concessões ou parcerias com fundos de impacto podem compartilhar riscos e atrair novos perfis de investidores. 
  • Investir em tecnologia e industrialização: ferramentas para diagnóstico estrutural, sistemas pré-fabricados e plataformas integradas de gestão de obra aumentam a previsibilidade e reduzem incertezas. 

O retrofit não precisa — e talvez não deva — competir com a incorporação tradicional. Ele pode ser um complemento estratégico, especialmente para players que buscam diferenciação, inserção urbana qualificada e valorização técnica no mercado. 

Conclusão: retrofit é oportunidade para quem quer sair na frente 

Mais do que uma resposta a problemas urbanos, o retrofit representa uma janela de oportunidade para quem enxerga além da lógica tradicional do setor. Com incentivos concretos já em vigor, escassez de terrenos bem localizados e um novo olhar da sociedade para o reuso inteligente do patrimônio urbano, o retrofit pode se tornar um diferencial competitivo para construtoras e incorporadoras que buscam entrada em regiões consolidadas, onde há infraestrutura instalada e demanda reprimida por moradia, serviços e comércio; diferenciação de portfólio em um mercado saturado por ofertas semelhantes; e acesso a novos modelos de negócio. 

Incorporar o retrofit como estratégia é também assumir protagonismo na construção das cidades do futuro, com inteligência econômica, inovação técnica e visão de longo prazo. 

Referências 

[1] PREFEITURA DE SÃO PAULO. Programa Requalifica Centro. Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/urbanismo/licenciamento/programas/requalifica_centro/ 

[2] PREFEITURA DE BELO HORIZONTE. Lei nº 11.532/2023 – Operação Urbana Centro-Sul. Disponível em: https://prefeitura.pbh.gov.br 

[3] PREFEITURA DE SALVADOR. Lei nº 9.767/2023 – Programa Renova Centro. Disponível em: https://salvador.ba.gov.br 

[4] PREFEITURA DE FLORIANÓPOLIS. Lei Complementar nº 763/2024. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/sc/f/florianopolis/lei-complementar/2024/76/763/lei-complementar-n-763-2024-institui-o-programa-de-incentivo-a-revitalizacao-e-ao-uso-de-edificacoes-subutilizadas 

[5] SANCHES, Débora. Reflexões em torno do retrofit na área central de São Paulo. Mackenzie, 2023. 

[6] FERNANDES, Maura Helena Kupidlowsky. A reintegração de imóveis disfuncionais na dinâmica urbana no centro de Belo Horizonte. UFMG, 2021. 

[7] RUIZ, Marina Alves da Silva. Retrofit de edificações no Brasil. Universidade Federal do Paraná – UFPR, 2019. 

plugins premium WordPress