O Brasil possui tecnologias suficientes para tornar a construção civil mais eficiente. Apesar disso, empreendimentos em todo o país ainda são erguidos majoritariamente com processos construtivos primitivos, responsáveis por baixa produtividade, estouros de custos e prazos, baixo desempenho e altas taxas de desperdícios. Por que essa incongruência acontece?
Para responder essa pergunta, o Movimento Brasil Viável — Construção Industrializada realizou no dia 24 de junho um evento, via plataforma on-line, que reuniu especialistas em diferentes áreas. O evento marcou o lançamento da mobilização, que envolve múltiplos agentes do setor e é liderado pelo C3 — Clube da Construção Civil e pelo enredes, por meio da Rede Construção Digital e Industrializada (RCDI). “A ideia é compreender os gargalos que precisam ser eliminados para viabilizar a construção industrializada no país”, resumiu Rodolfo Zagallo, presidente do C3.
“Em um contexto de elevação do custo de materiais e da necessidade urgente de adicionar produtividade aos canteiros de obras, a industrialização é a saída”, continuou Roberto de Souza, CEO do CTE enredes. Segundo ele, para viabilizar essa transformação é necessário um ambiente de negócios mais saudável e promissor, sem entraves de qualquer natureza.
Por que industrializar?
Dados do Fórum Econômico Mundial divulgados em 2016 indicam que a população mundial aumenta diariamente 200 mil pessoas nas áreas urbanas. Isso eleva drasticamente a demanda por infraestrutura de habitação, transporte e serviços públicos. No Brasil, conforme estudo da FGV e da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), o déficit habitacional chegará a 30,7 milhões de unidades em 2030.
“A construção tradicional não tem produtividade suficiente para resolver problemas dessa magnitude. A construção industrializada modular off-site, em contrapartida, oferece processos padronizados, em ambiente controlado, com previsibilidade de custos e prazos, além de qualidade”, destacou Paulo Oliveira, presidente do comitê-executivo de conteúdo do C3 e mediador do webinar.
Maturidade industrial
Para o engenheiro Luiz Henrique Ceotto, sócio-fundador da Urbic, para viabilizar a construção industrializada, a cadeia deve ser capaz de desenvolver produtos imobiliários de custo mais baixo em comparação aos produzidos artesanalmente. “Em outros setores da economia, a industrialização significou uma redução de custos importante associada a um aumento de qualidade”, comparou Ceotto.
Na visão dele, uma condição para o sucesso da industrialização da construção é a maturidade da indústria, necessária para evitar sobressaltos de preços e falhas de abastecimento. Como exemplo para sua argumentação, ele citou a indústria do aço, material imprescindível para a produção de edifícios industrializados altos. “O Brasil é o sexto maior produtor de aço no mundo e não direciona quase nada desse volume para a construção industrializada. Gastamos uma quantidade enorme de energia e emissões de gases do efeito estufa para fabricar um material que se transforma em veículos e geladeiras, produtos que têm ciclo de vida muito mais curto do que os edifícios”, afirmou Ceotto.
A questão tributária
A construção civil nacional padece de um duplo gap de produtividade, segundo Robson Gonçalves, professor e consultor da FGV/Ibre. Comparando com outros competidores internacionais, a produtividade é 77% menor. Já em relação ao desempenho da economia brasileira como um todo, a produtividade do setor da construção é 7,6% inferior.
“Tal atraso tem relação com a guerra fiscal entre os entes da federação com poder de tributação”, disse o professor, alertando para a necessidade de aprofundamento das discussões sobre a reforma tributária. “Isso porque, as propostas em andamento (PEC 45/2019 e PEC 110/2019) possuem vícios que podem elevar a carga tributária do setor”, comentou Gonçalves.
“Em uma lista de 190 países, o Brasil tem o 184.º pior sistema tributário do mundo”, acrescentou o deputado federal Alexis Fonteyne. Durante sua fala aos participantes do evento Brasil Viável — Construção Industrializada, ele reforçou a importância de o país possuir um sistema tributário transparente, neutro, que ofereça isonomia e seja livre de distorções. “A realidade é que hoje é mais vantajoso construir com pouca produtividade, altos índices de retrabalho e de acidentes de trabalho e com muitos impactos ambientais”, lamentou o parlamentar, reforçando que a reforma tributária possui potencial enorme para dar maior competitividade à construção brasileira.
Morosidade que custa caro
A burocracia e a lentidão envolvendo o Direito Imobiliário e as aprovações de projeto legal são entraves à industrialização da construção bastante conhecidos. Esse tema foi abordado por Marcelo Barbaresco, professor da FGV, que citou um estudo da Booz & Co, segundo o qual a burocracia brasileira aumenta em 12% o custo dos imóveis, representando um prejuízo anual de R$ 18 bilhões pagos pela sociedade.
“No Brasil, no que tange a aprovação de projetos, o estado só pode fazer o que é permitido. Isso cria uma distorção na atuação dos licenciadores, que ficam limitados a aprovar aquilo que a Lei prevê como possível”, comentou Barbaresco. Segundo ele, a complexidade do sistema de aprovação imobiliária tem efeitos perversos, como a inibição de oportunidades e a elevação dos custos.
Financiamento imobiliário
Outro obstáculo à industrialização da construção é o financiamento imobiliário que mantém as construtoras e incorporadoras presas a um ciclo de produção lento para se adequar à capacidade de pagamento das famílias.
Thiago Leomil, responsável pela gestão de investimentos imobiliários na Julius Baer Family Office, argumentou que a solução para isso passa por adequações junto aos bancos para que a construção industrializada tenha acesso a créditos diferenciados. O objetivo é que o encurtamento do ciclo de produção de imóveis até a entrega das chaves não seja um fator de pressão para o fluxo de caixa dos compradores. Nesse sentido, Leomil defende, entre outras ações, o fomento ao crédito associativo junto aos bancos privados. “Hoje, essa modalidade é realizada apenas pelos bancos públicos”, explicou o especialista.
Ensino e formação
Complementando a programação do webinar, Vahan Agopyan, reitor da Universidade de São Paulo, falou sobre a inclusão da construção industrializada na grade de ensino dos cursos de arquitetura e engenharia. Na visão do professor, o século XXI exige dos profissionais um perfil mais generalista e uma visão mais ampla e aberta às inovações. “Os profissionais do futuro devem estar preparados para ter que estudar continuamente. Eles também não podem ter medo da inovação e precisam entender o valor do trabalho multidisciplinar”, disse ele.
Outra mudança necessária citada pelo reitor é na forma de atuação das universidades, que devem se propor a ser mais do que um local de ensino. “A universidade precisa contribuir mais no desenvolvimento e na divulgação do conhecimento”, concluiu Agopyan.
O kick-off do Movimento Brasil Viável — Construção Industrializada pode ser conferido na íntegra no canal do enredes e do C3 no YouTube. Clique aqui para assistir às apresentações.