O movimento em direção à urgente industrialização da construção civil tem evoluído, com progressos importantes nas áreas financeira e no campo tecnológico. As palestras realizadas durante o 2º Workshop da Rede Construção Digital, Industrializada e Sustentável (RCDI+S), no último dia 14 de junho, comprovou isso.
Na oportunidade, Sandro Gamba, diretor de negócios imobiliários do Santander, discorreu sobre a política de financiamento imobiliário, tradicionalmente um gargalo para o desenvolvimento de projetos focados em redução de prazo de execução. Segundo ele, embora tenha crescido nos últimos dez anos, a oferta de crédito no país ainda está muito aquém das necessidades. “Enquanto nos Estados Unidos e no Canadá a proporção de crédito imobiliário sobre o PIB gira em torno de 50%, no Brasil a relação é de 10%, mostrando o espaço que há para crescermos”, disse Gamba.
O Santander lançou, recentemente, um produto para incentivar empreendimentos com certificação GBC Brasil ou Aqua. Por meio desse programa, o financiamento começa logo no início da obra, reduzindo a exposição do capital do incorporador. Outro produto que pode estimular a industrialização é o financiamento na planta (crédito associativo). Nesse modelo, quanto menor for o ciclo de obra, mais vantajoso é para o incorporador. “Isso significa que ter um processo de construção industrializado e com assertividade no prazo de obra trará taxas internas de retorno mais interessantes”, ponderou Gamba, reforçando que o mercado precisa diminuir a imprevisibilidade de ciclo e de cronograma para acessar o funding disponível.
FÁBRICA DE CASAS EM WOOD FRAME
Na visão de Marcelo Melo, diretor-executivo de negócios da Alea Tenda, a baixa de produtividade do setor de construção decorre de uma série de fatores, como a falta de padronização dos projetos, o excesso de informalidade, a pouca coordenação entre os atores, o baixo nível de gerenciamento de projetos e a qualificação da mão de obra, além do escasso investimento em inovação.
Ele compartilhou com os participantes da RCDI+S a jornada da empresa em direção à construção off-site voltada ao segmento de habitação econômica. A trajetória começou em 2012 com a verticalização total da cadeia de valor — da incorporação à venda, e culminou no desenvolvimento de uma fábrica com capacidade para produzir 10 mil casas por ano de wood frame. O objetivo é atender a demanda por casas horizontais em cidades médias e pequenas.
Para resolver isso, a Alea criou um modelo de negócio disruptivo que prevê a transferência de grande parte das atividades do canteiro para a fábrica. “A abordagem industrial pode reduzir drasticamente a mão de obra alocada na obra. Enquanto as obras de alvenaria tradicional têm índice de produtividade em torno de 8, na Alea, fechamos 2021 com índice de 1 e trabalhamos com a meta de chegar a 0,5”, informou Melo.
FECHAMENTOS INDUSTRIALIZADOS
A programação do workshop contou, também, com a participação de Nelson Zanocelo, diretor da unidade de negócios da Saint-Gobain. Ele falou sobre o sistema de fachadas leves fornecido pela multinacional para empreendimentos verticais e horizontais. A tecnologia, que pode ser combinada a steel frame e a wood frame, consiste no uso de painéis de gesso reforçado com fibras de vidro e chapas cimentícias combinadas a outros componentes, como lã mineral para melhorar o desempenho termoacústico e membrana hidrófuga.
A industrialização proporcionada por essa tecnologia, segundo Zanocelo, permite elevar a produtividade em, pelo menos, quatro vezes em comparação a uma construção em alvenaria, além de diminuir entre 20 e 50% o prazo de execução, com ganhos de desempenho. “O sistema de fachadas pode ajudar o setor lidar melhor com desafios importantes, como a escassez de mão de obra, a pouca sustentabilidade e a baixa performance atreladas aos sistemas construtivos arcaicos”, disse Zanocelo, explicando que a estratégia da Saint-Gobain para atuar no mercado brasileiro difere de outros países onde a empresa apenas fornece a tecnologia construtiva. “Por aqui, percebemos que somente distribuir as soluções não bastava. Por isso desenvolvemos um modelo de negócio que inclui apoio a projeto e monitoramento da obra, atendendo toda a jornada do cliente”, revelou o executivo.
MADEIRA ENGENHEIRADA
Na etapa final do encontro da RCDI+S, Ana Bastos, CEO da Urbem, apresentou as perspectivas para o mercado de madeira engenheirada no Brasil. A tecnologia se baseia no uso estrutural do CLT (cross laminated timber) para compor lajes, e do glulam para compor vigas e pilares. “A madeira engenheirada vem crescendo exponencialmente em todo o mundo. Já são mais de 100 indústrias de madeira engenheirada no mundo e 10 milhões de metros cúbicos produzidos anualmente”, informou Bastos.
Para a executiva da Urbem, esse movimento é impulsionado por fatores como a possibilidade de a madeira contribuir para a descarbonização dos empreendimentos e a conexão dessa matéria-prima natural com a sustentabilidade. No Brasil, segundo Bastos, a tecnologia tende a se destacar em segmentos com maior facilidade de modelar o valor do tempo de execução, ou seja, em empreendimentos institucionais (comerciais, corporativos, escolas e hospitais) e de renda. “Mas a escala vai ser dada quando a madeira engenheirada puder ser aproveitada também no residencial”, avalia ela, alertando para a necessidade de a cadeia produtiva se preparar para esse boom. “Um ponto de atenção é com a capacitação de arquitetos e engenheiros, assim como de montadores e sistemistas, para garantir que haja profissionais em quantidade suficiente”, revelou Ana Bastos.
CENÁRIO DE IMPRESSÃO 3D
A manufatura aditiva é uma das macrotendências internacionais capazes de gerar disrupções na indústria da construção. Ela oferece uma alternativa para a produção de edificações e de componentes de forma mais veloz, consumindo menos material, com mais desempenho e retorno financeiro.
Rafael Pileggi, professor associado na Poli-USP, vem pesquisando esse tema e levou as principais rotas de desenvolvimento de impressão 3D aos participantes do workshop da RCDI+S. Entre elas, o particle bed, utilizado para a produção de objetos decorativos e estruturais, a otimização topológica e a impressão 3D por extrusão de filamento. Segundo Pileggi, algumas técnicas de impressão 3D já aplicadas na produção de passarelas e coletores de água conseguem reduzir de 30 a 60% os resíduos de construção e diminuir em até 70% o tempo de construção.
A impressão 3D, contudo, ainda não está madura. A estratégia para colocação de armadura, a combinação entre velocidade de ascensão vertical e a capacidade de deposição do material, assim como a falta de códigos de construção são alguns desafios. “No entanto, as bases estão se estabelecendo e grandes empresas apostam nessa tecnologia. A impressão 3D já virou negócio e, em cerca de três anos, devemos ter muita coisa acontecendo”, adiantou o professor, ponderando que a impressão 3D é uma técnica complementar, e não substituta, de outras tecnologias construtivas, como as paredes de concreto e o wood frame.